CONCEITUando: Sociedade Civil Organizada

CONCEITUando: Sociedade Civil Organizada

O que vem à nossa mente quanto alguém usa a expressão “sociedade civil”? Você já ouviu ou leu? Já falou ou escreveu? Certos termos são muito utilizados, mas podem ter significados bastante diferentes. No senso comum, a noção de sociedade civil geralmente é associada a algo que está fora do poder público (Estado) e que inclui associações, clubes de serviço, organizações não governamentais (ONGs) e afins. Mas essa visão tem uma história, uma genealogia.

Se pesquisarmos os diferentes significados que a expressão sociedade civil já teve em diferentes épocas da história, encontraremos respostas bem variadas. Na Grécia antiga, com sua experiência de democracia direta, não havia tão claramente definida como hoje, a diferença entre os que governam e os que são governados. Essa noção de sociedade civil como algo separado do Estado é própria da Modernidade.

Para Hegel (1770-1831), filósofo alemão fundamental na evolução desse conceito, sociedade civil traduz a esfera social situada entre o mundo privado das famílias e o âmbito do Estado. Outra linha de pensamento moderno veio a ser desenvolvida no século XX, especialmente por outro alemão, Jürgen Habermas. Trata-se da noção de esfera pública, que compreende todas as instituições importantes para a formação da opinião pública. Esse espaço é claramente diferente da esfera econômica e da esfera política.

Outro autor moderno importante é o filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), para quem a sociedade civil engloba partidos políticos, associações privadas e sindicatos. Mesmo inspirado em Marx, Gramsci não concordava com muitos marxistas na noção de que a sociedade seria diretamente determinada ou governada por realidades situadas na chamada infraestrutura, ou seja, nas relações de produção, no poder econômico. Para Gramsci, o poder dos grupos dominantes está encarnado em consensos estabelecidos pela sociedade e expresso em leis, normas e hábitos reconhecidos por todos. Esse poder que não é exercido com base na truculência ou nas armas, é o que o autor chamou de hegemonia. Preocupado com a colaboração dos intelectuais para a transformação da sociedade, Gramsci via dois caminhos para isso: a atuação da sociedade civil, lutando junto com certos grupos sociais para quebrar ou enfraquecer a hegemonia das classes dominantes, e a atuação direta da sociedade política, ou seja, no Estado.

Mais recentemente, na década de 1990, construiu-se, tanto na literatura acadêmica quanto em organismos internacionais, uma ideia que praticamente resumiu a sociedade civil ao universo das organizações não governamentais (ONGs). Segundo essa concepção, muito influenciada pelos estudos do cientista político estadunidense Robert Putnam (1941-) sobre a experiência da Itália moderna, o Estado seria necessariamente ineficiente e as ONGs poderiam prestar serviços à coletividade com muito mais eficiência e livres de corrupção e desvios. Essa é uma concepção um tanto despolitizada, pois não dá visibilidade aos conflitos bem como a divergência de interesses e de visões presentes na sociedade civil, como se nessa instância reinasse sempre a harmonia e a concórdia.

Há quem considere essa noção ingênua, pois na esfera da sociedade a gente também vê conflitos, problemas e situações de corrupção. Mais do que inocente, essa visão pode ser vista como uma estratégia calculada por grupos que apresentam suas demandas particulares como se fossem de toda a coletividade.

O que tudo isso tem a ver com o projeto Territórios do Petróleo? Aqui se colabora para elevar o controle social (controle da sociedade civil) sobre a aplicação dos royalties (efetuada pelo poder público). Mas à luz desse post, você poderia perguntar: o projeto busca elevar o controle social exercido por quais segmentos da sociedade? A resposta é: trabalha-se para ajudar a fortalecer o poder dos grupos mais expostos aos impactos da cadeia produtiva do petróleo e gás, tais como pescadores, trabalhadores rurais, assentados e quilombolas.

Fontes: O conceito de sociedade civil: em busca de uma repolitização, artigo de Mario Aquino Alves;

Categoria analítica ou passe-partout político-normativo: notas bibliográficas sobre o conceito de sociedade civil, artigo de Sergio Costa;

Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna, livro de Robert D. Putnam.

*Este texto é uma colaboração do pesquisador Carlos Gustavo Sarmet Moreira Smiderle.

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